domingo, 10 de junho de 2012

A falibilidade dos ministros (parte final)



continuação...

III. Agora passo à terceira lição da Antioquia: não há há doutrina alguma que devemos proteger tanto quanto a da justificação pela fé, sem obras da lei.



A evidência dessa terceira lição está mais proeminente na passagem bíblica que encabeça esse sermão. Qual profissão de fé o apóstolo Pedro negou em Atioquia? Nenhuma. Qual doutrina ele pregou publicamente e era falsa? Nenhuma. O que, então, ele fez? Ele fez isso: depois de haver sentado com os gentios como “co-herdeiros com Israel, membros do mesmo corpo, e co-participantes da promessa com Cristo” (Ef 3:6), de repente ficou tímido e retraiu-se. Parece que ele começou a pensar que os gentios eram menos santos e aceitáveis para Deus do que os judeus circuncisos; pareceu deduzir que os gentios convertidos estavam numa classe mais baixa do que aqueles que mantiveram as cerimônias da Lei de Moisés; pareceu adicionar algo à fé, como se isso fosse necessário para despertar o interesse do homem em Jesus Cristo. Ele pareceu responder à pergunta “o que devo fazer para ser salvo?” não apenas com “Acreditar no Senhor Jesus”, mas “Acreditar no Senhor Jesus, ser circunciso e manter as cerimônias da lei”.


O apóstolo Paulo não podia tolerar uma conduta como essa. Nada mais o moveu, a não ser a ideia de adicionarem algo ao Evangelho de Cristo. “Enfrentei-o face a face", ele disse. Paulo não apenas repreendeu Pedro, mas também guardou todo o ocorrido quando, por inspiração do Espírito, escreveu a epístola aos Gálatas.


Peço-lhes que prestem bastante atenção nesse ponto. Peço aos homens que observem o cuidado demonstrado pelo apóstolo Paulo à doutrina e que considerem o momento em que ocorreu essa agitação. Notemos nessa passagem bíblica a importância da justificação pela fé e não pelo mantimento da lei.


(a) Essa doutrina é necessária para o nosso conforto pessoal. Nenhum homem na terra é verdadeiramente filho de Deus, com sua alma salva, até que receba a salvação pela fé em Cristo Jesus. Nenhum homem jamais terá uma paz sólida e uma verdadeira segurança, até que abrace com todo o seu coração a doutrina de que somos considerados retos diante de Deus por causa da obra do Senhor Jesus Cristo na cruz, pela fé, e não pela nossa bondade ou pelo trabalho de nossas próprias mãos. Um motivo, acredito, pelo qual tantos cristãos são jogados de um lado para o outro, desfrutam de pouco conforto e não sentem muita paz, é a ignorância deles nessa questão. Eles não veem claramente a justificação pela fé, sem que seja pelas suas próprias “boas obras”.


(b) Essa doutrina, o diabo não apenas odeia, mas também trabalha para destruir. Ele sabe que ela, desde os dias dos apóstolos, deixou o mundo de ponta cabeça. Assim como também deixou-o de ponta cabeça na época da Reforma. Portanto, ele tenta o homem a rejeitá-la. Ele está sempre seduzindo as igrejas e ministérios, para que neguem e obscureçam a verdade. Não é de se admirar que o Concílio de Trento[5], dirigiu seu principal ataque contra essa doutrina e declarou-a maldita e herética. Também não é surpreendente que tantas pessoas que se consideram conhecedoras, denunciam essa doutrina como um jargão teológico e dizem que todas as "pessoas sãs" são justificadas por Cristo, quer tenham fé ou não! A verdade é que esse pensamento é amargo e um grande veneno para os corações descrentes. Ele sacia os desejos da alma alerta, mas o homem orgulhoso, que não conhece o seu próprio pecado e não vê sua fraqueza, não pode receber a verdade.


(c) Essa é a doutrina cuja ausência é responsável por metade dos erros da Igreja Católica Romana. Metade das doutrinas católicas antibíblicas tem raízes na rejeição da justificação pela fé. Nenhum professor católico, se for fiel à sua igreja, dirá para um pecador aflito, "Acredite no Senhor Jesus e será salvo". Ele não pode fazer isso sem algumas explicações, que destroem completamente as boas novas. Ele não ousa dar a cura cristã, sem adicionar algo que destrua seu efeito e neutralize seu poder.


Purgatório, penitência, absolvição sacerdotal (confissão), intercessão dos santos, adoração à Virgem e várias outras ideias humanas do catolicismo romano, todas elas se originam dessa mesma fonte. Todas elas são apoios desonestos para amparar consciências exaustas, mas são apresentadas como necessárias pela negação da justificação pela fé.


(d) Essa é a doutrina essencial para o sucesso de um ministro entre seu povo. Ignorância, nesse ponto, estraga tudo. Falta de afirmações claras sobre a justificação impedirá que o mais zeloso dos homens faça o bem. Podem haver muitas características boas e agradáveis no sermão de um ministro, ele pode falar sobre Cristo e a união com Ele, sobre abnegação, humildade e amor. Entretanto, não valerá muito, se não pregar corretamente sobre a justificação pela fé, sem o auxílio das “boas obras”.


(e) Essa é a doutrina fundamental para a prosperidade da Igreja. Nenhuma igreja está num estado sadio, caso essa doutrina não seja vivida de forma proeminente. Uma denominação ou igreja podem ter boas estruturas e ministros regularmente ordenados, mas não verá conversão de almas se for ao púlpito e não pregar claramente as doutrinas. Suas escolas podem ser encontradas em cada cidade, os prédios das igrejas podem chamar a atenção de todas as pessoas na terra, mas nela não haverá a bênção de Deus, a não ser que a justificação pela fé seja proclamada do seu púlpito. Mais cedo ou mais tarde seu castiçal será levado embora.


Por que as igrejas africanas e do leste chegaram ao estado atual? Será que não tinham ministros? Sim, tinham. Será que não tinham normas e cerimônias? Sim, tinham. Será que não tinham conselhos? Sim, tinham. Mas elas puseram de lado a doutrina da justificação pela fé. Elas perderam de vista a grande verdade e, por isso, caíram.


Por que a nossa igreja, a Igreja da Inglaterra, fez tão pouco nesse último século, enquanto os batistas e independentes fizeram tanto? Será que foi porque seus sistemas eram melhores que o nosso? Não. Talvez, então, nossa igreja não estava adaptada às necessidades das almas perdidas, correto? Não. Acontece que os ministros dessas denominações pregavam a justificação pela fé, enquanto os nossos, por várias vezes, não pregavam doutrina alguma!


Por que tantos ingleses passaram a frequentar igrejas dissidentes? Por que nós, frequentemente, vemos igrejas góticas locais tão vazias de adoradores quanto celeiros em julho, ao passo em que prédios pequenos e ainda em tijolos, mais conhecidos como Casa de Reunião, estão lotados? Será que é porque as pessoas, em geral, não nutrem simpatia alguma por uma adoração formal, pelo Livro de Oração Comum nem pela instituição? De forma alguma! A resposta, pura e simples, é que na grande maioria dos casos as pessoas não gostam de pregações em que a justificação pela fé não é claramente proclamada. Quando os cristãos não escutam pregações como essas na igreja, eles as procuram em outro lugar. Claro que há exceções. Sem dúvida alguma há lugares onde uma longa caminhada de negligência incomodou membros da igreja, de forma que eles nem sequer escutavam sobre a verdade da boca de seus ministros. No entando acredito que, como regra geral, quando a igreja está vazia e a Casa de Reunião, lotada, a causa para esse acontecimento é notória.


Sendo assim, o apóstolo Paulo fez bem em zelar pela verdade e se opor a Pedro face-a-face. Fez bem também em preferir sacrificar tudo do que por em risco a doutrina da justificação na Igreja de Cristo. Paulo viu o que estava acontecendo com olhos proféticos e por isso nos deixou um exemplo para seguirmos. Seja lá o que toleremos, nunca devemos aceitar qualquer insulto a essa doutrina sagrada, a de que somos justificados pela fé e não por "boas obras".


Estejamos sempre atentos a qualquer ensinamento que ignore a justificação pela fé, seja ele direta ou indiretamente. Qualquer sistema religioso que coloque algo entre o pecador sobrecarregado e Jesus Criso, o Salvador, que não seja a fé, é perigoso e antibíblico. Qualquer sistema que faça da fé algo complicado, difícil e infantil, é perigoso e venenoso. Qualquer sistema que deprecie a doutrina protestante, a responsável por derrubar o poder do catolicismo romano, carrega consigo uma praga e é um perigo para as almas.


Batismo é um sacramento ordenado pelo próprio Cristo e deve ser realizado com reverência e respeito por todos os cristãos professos. Quando feito corretamente, dignamente e com fé, ele é capaz de ser um instrumente de bênçãos maravilhosas para a alma. Entretanto, quando pessoas são ensinadas que todos os batizados são nascidos de novo e deveriam ser considerados "filhos de Deus", acredito que suas almas estão em grande perigo. Um ensinamento sobre batismo tal qual foi citado, parece-me arruinar a justificação pela fé. São filhos de Deus apenas aqueles que tem fé em Cristo Jesus. E nem todos os homens a tem.


A ceia do Senhor é um sacramento ordenado por Cristo, com o intuito de edificar e revigorar os verdadeiros cristãos, mas quando pessoas são ensinadas que todos devem ir à ceia do Senhor, tendo eles fé ou não, e que todos os semelhantes recebem o corpo e o sangue de Cristo ao comerem do pão e beberem do vinho, acredito que suas almas correm grande perigo. Um ensinamento como esse, parece-me ignorar a justificação pela fé. Nenhum homem come o corpo de Cristo, nem bebe o Seu sangue, a não ser o homem justificado. E ninguém é justificado até que creia.


Membresia numa igreja local é um grande privilégio, mas quando pessoas são ensinadas que por serem membros da igreja também são, consequentemente, membros de Cristo, acredito que suas almas correm risco. Um ensinamento como esse, parece-me arruinar a justificação pela fé. Apenas aqueles que acreditam, unem-se a Cristo. E nem todos os homens acreditam.


Sempre que escutarmos ensinamentos que confundem ou contradizem a justificação pela fé, podemos ter certeza de que há um parafuso solto em algum lugar. Devemos vigiar e estar atentos, posicionando-ns contra tais ensinamentos. Uma vez que o homem abandona a justificação pela fé, ele dirá adeus ao conforto, à paz, à esperança e a todas as outras garantias que se achegam junto com o cristianismo. Um erro desses é decadência na certa.


Concluindo, deixe-me pedir a todos os que leem esse sermão que se armem com vasto conhecimento sobre a Palavra de Deus. Se não buscarmos conhecimento, ficaremos à mercê de qualquer falso profeta. Não devemos olhar os erros de um Pedro pecador. Não estamos aptos a imitar a fidelidade de um Paulo corajoso. Uma congregação ignorante será sempre uma maldição para a igreja. Uma congregação que lê a Bíblia pode salvar a Igreja da ruína. Leiamos a Bíblia regularmente, diariamente, com orações fervorosas, a fim de nos familiarizarmos com seus conteúdos. Não recebamos nada, acreditemos em nada e tampouco sigamos nada, se não estiver na Bíblia e nem puder ser provada através dela. Que a Palavra de Deus seja o que regulamenta nossa fé e nosso critério para todo ensinamento.


(2) Em segundo lugar, peço a todos os que leem esse sermão que estejam sempre prontos a lutar pela fé em Cristo, se assim for necessário. Não aconselho ninguém a alimentar um espírito controverso. Não quero que homem algum seja como Golias, indo de um lado para outro dizendo, “Escolham um homem para lutar comigo" (I Sm 17:8). Alimentar controvérsias é uma tarefa lastimável. É como alimentar ossos. Nenhuma paz enganosa deveria nos impedir de lutar contra as falsas doutrinas e de buscar promover a verdadeira doutrina em todos os lugares que pudéssemos. Verdadeiro Evangelho no púlpito, nos livros que lemos, nos amigos com quem andamos: que esse seja o nosso objetivo e que nunca nos envergonhemos em deixar transparecer aos homens que é assim que vivemos.


(3) Em terceiro lugar, peço a todos os que leem esse sermão para que cuidem bem de seus próprios corações, nesses tempos tão controversos. Precisamos tomar precauções. No ponto mais violento da batalha, podemos esquecer nosso novo homem. Vitória em argumentos nem sempre significa vitória sobre o mundo ou o diabo. Que a humildade de Pedro ao ser repreendido seja um exemplo para nós, tanto quanto a coragem de Paulo em repreendê-lo. Feliz é o cristão que pode chamar a pessoa que o repreendeu fielmente de "amado irmão" (2 Pe 3:15). Lutemos para sermos santos em todas as nossas conversas e igualmente em nosso temperamento. Lutemos para manter uma comunhão initerrupta com o Pai e o Filho e hábitos diários de oração e leitura bíblica. Desta forma, estaremos preparados para a batalha da vida e teremos a espada do Espírito bem ajustada para quando o dia da tentação vier.


(4) Em quarto lugar, peço a todos os membros da igreja que sabem o que oração realmente é, para que orem diariamente pela igreja onde congregam. Oremos para que o Santo Espírito seja vertido sobre ela e o castiçal não seja levado embora. Oremos pelas igrejas onde o evangelho não é pregado, para que a escuridão parta e a verdadeira luz brilhe sobre elas. Oremos pelos ministros que não sabem, tampouco pregam, a verdade, para que Deus faça cair a máscara de seus corações e mostre um caminho melhor. Nada é impossível. O apóstolo Paulo já perseguiu cristãos, Lutero já foi um monge sem instrução, Bispo Latimer já foi um católico fanático, Thomas Scott já foi um grande opositor da verdade evangélica. Nada, repito, é impossível. O Espírito pode fazer com que ministros preguem o Evangelho que, agora, destroem. Portanto, sejamos perseverantes em nossas orações.


Recomendo que prestem muita atenção nesse sermão. Ponderemo-lo bem em nossos corações. Pratiquemo-lo diariamente. Fazendo isso, teremos aprendido a lição de Pedro em Antioquia.


NOTA: Por mais de um século, J. C. Ryle ficou mais conhecido por seus textos claros e vivos, que falavam sobre temas práticos e espirituais. Seu grande objetivo, durante seu ministério, foi encorajar uma vida cristã firme e séria. Entretanto, Ryle não era ingênuo e sabia como esse encorajamento deveria ser feito. Ele reconheceu que, como pastor do rebanho de Deus, tinha a responsabilidade de proteger as ovelhas de Cristo e alertá-las sempre que visse algum perigo se aproximando. Seus intensos comentários são tão sábio e relevantes hoje, quanto foram quando ele os primeiro escreveu. Seus sermões e outros escritos tem sido constantemente reconhecidos e sua utilidade e impacto continuam até hoje, mesmo no inglês obsoleto da época do autor.




Por que, então, exposições já tão bem sucedidas e memoráveis, provadas úteis, precisam de adaptação, revisão e reedição? A resposta é clara. Para aumentar sua utilidade para leitores atuais. A linguagem com a qual foi originalmente escrita, precisa de atualização.




Por mais que seus sermões, da forma com que foram escritos pelo autor no século XIX, tenham servido para outras gerações, eles podem se perder nas gerações presente e futura, simplesmente porque, para eles, a linguagem não é facilmente e nem completamente entendível.




Meu intuito, entretanto, não é reduzir o escrito original ao vernáculo dos nossos dias. Ele surgiu primeiramente para você, que deseja ler e estudar de modo confortável e fácil, na linguagem do seu tempo. Obviamente, apenas terminologias arcaicas e passagens obscurecidas por expressões que não nos são familiar foram revisadas. Contudo, nem a intenção de Ryle, tampouco seu propósito foram adulterados.


Tony Capoccia




Esse manuscrito atualizado e revisitado é de direitos autorais de © 1998 por Tony Capoccia.


Todos os direitos reservados.


Website: www.biblebb.com


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ORE PARA QUE O ESPIRITIO SANTO USE ESSE SERMÃO PARA EDIFICAÇÃO DE MUITOS E SALVAÇÃO DE PECADORES.




FONTE


Traduzido de http://www.biblebb.com/files/ryle/WARN6.TXT




A Fonte do manuscrito atualizado e revisitado é de direitos autorais de © 1998 por Tony Capoccia.


Todos os direitos reservados.


Website: www.biblebb.com


Todo direito de traduçãoem português protegido por lei internacional de domínio público




Tradução: Sara de Cerqueira


Revisão: Armando Marcos Pinto


Capa: Victor Silva




Projeto Ryle – Anunciando a verdade Evangélica.


http://bisporyle.blogspot.com/




[1] É de considerar que hoje em dia biografias mais apuradas discutem o papel de Calvino nesse caso, considerando que de fato ele não tinha poder legal e nem influência suficiente para evitar a morte de Serveto pela acusação de heresia pelo Conselho de Genebra, que em sua maioria era contrário as praticas de Calvino (N.R)


[2] Durante o período da rainha Maria da escócia, conhecida como “Maria Sanguinária”, John Jewell não condenou e formalmente aceitou o catolicismo romano, tendo se arrependido quando da subida de Eduardo 6º ao trono e sendo posteriormente um dos apologetas da igreja anglicana reformada-elizabetana (n.R)


[3] Hopper era...


[4] fala ininteligível


[5] Concílio Católico Romano que estabeleceu suas doutrinas atuais

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