sábado, 9 de junho de 2012
A falibilidade dos ministros (part 3)
continuação...
II. Agora passo para a segunda lição tirada do sermão. Essa lição é que manter a verdade de Cristo na sua igreja é muito mais importante do que manter a paz.
Acredito que nenhum homem tinha noção maior do valor de paz e unidade quanto o apóstolo Paulo. Foi ele o apóstolo que escreveu aos coríntios sobre o amor. Ele foi o apóstolo que disse “Tenham uma mesma atitude uns para com os outros; vivam em paz uns com os outros; ao servo do Senhor não convém brigar; há um só corpo e um só espírito, assim como a esperança para a qual vocês foram chamados é uma só; há um só Senhor, uma só fé, um só batismo". Ele foi o Apóstolo que disse, “fiz-me tudo para todos, para por todos os meios chegar a salvar alguns” (Rm 12:16, I Ts 5:13, Fm 3:16, Ef 4:5, I Co 9:22). Ainda assim, veja como ele age! Ele se opôs a Pedro face-a-face. Ele o repreendeu publicamente e correu o risco de todas as consequências disso. Ele arrisca tudo o que pode ser dito pelos inimigos da igreja de Antioquia. Acima de tudo, Paulo documentou o incidente, para que nunca fosse esquecido e onde quer que o evangelho fosse pregado, essa repreensão pública devido ao erro de um apóstolo fosse de conhecimento de todos.
Por que Paulo fez isso? Porque ele tinha pavor de falsas doutrinas, ele sabia que um pequeno erro poderia corromper todo o grupo e queria nos ensinar que devemos lutar fervorosamente pela verdade e temer mais sua perda do que a perda da paz.
Devemos nos lembrar do exemplo de Paulo nos dias de hoje. Muitas pessoas suportam tudo na religião, contanto que possam ter uma vida tranquila. Elas tem um temor horrendo daquilo que chamam “controvérsia” e estão repletas de um medo mórbido do que chamam, de modo vago, “espírito partidário”, apesar de não saberem definir ao certo o que é esse espírito de partidarismo. Eles estão possessos por um desejo doentio de manter a paz e fazer com que tudo seja leve e agradável, mesmo que às custas da verdade. Contanto que tenham sossego, leveza, silêncio e ordem, estarão contentes em deixar de lado todo o resto. Acredito que eles teriam pensado como Acabe, que Elias era o perturbador de Israel, e teriam ajudado os príncipes de Judá, quando colocaram Jeremias na prisão, a fim de calarem sua boca. Não tenho dúvidas de que muitos desses homens sobre os quais falo, teriam pensado que Paulo, na Antioquia, agiu de forma imprudente e foi longe demais!
Acredito que tudo isso está errado. Não temos direito algum de esperar nada, a não ser o Evangelho de Cristo, puro e cristalino, genuíno e inalterado, o mesmo evangelho ensinado pelos apóstolos de fazer o bem às almas humanas. Para manter essa verdade pura na Igreja, os homens devem estar prontos para fazer qualquer sacrifício, arriscar a paz, sujeitar dissensões e correr o risco de dividirem-se. Eles deveriam tolerar a falsa doutrina tanto quanto toleram o pecado. Deveriam se opor a qualquer alteração feita à mensagem do evangelho de Cristo, seja adicionando ou retirando passagens.
Pelo amor à verdade, nosso Senhor Jesus Cristo denunciou os fariseus, apesar de ocuparem o assento de Moisés e serem professores nomeados e autorizados. “Mas ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas!”, disse Ele, oito vezes, nos vinte e três capítulos de Mateus. Quem ousará levantar suspeita de que nosso Senhor estava errado?
Pelo amor à verdade, Paulo se opôs e censurou Pedro, mesmo sendo irmãos. Onde estava a unidade, quando a doutrina foi posta de lado? Quem dirá que ele agiu errado?
Pelo amor à verdade, Atanásio posicionou-se contra o mundo, a fim de manter a pura doutrina da divindade de Cristo, e travou uma disputa com a grande maioria da igreja. Quem dirá que ele agiu errado?
Pelo amor à verdade, Lutero quebrou a unidade da igreja em que nasceu, denunciou o Papa e todos os seus costumes e apresentou a fonte de um novo ensinamento. Quem dirá que Lutero agiu errado?
Pelo amor à verdade, Cranmer, Ridley e Latimer, os reformadores ingleses, aconselharam Henrique VIII e Eduardo VI a se separarem de Roma e enfrentar as consequências dessa divisão. E quem ousará dizer que estavam errados?
Pelo amor à verdade, Whitefield e Wesley, há cem anos, denunciaram a pregação infrutífera do clero de seus dias e foram à estradas e vielas a fim de salvarem almas, mesmo sabendo que seriam banidos da comunhão da igreja. E quem ousará dizer que eles estavam errados?
Sim, paz sem verdade é uma paz falsa, é a paz do diabo. Unidade sem evangelho é uma unidade inútil, é a unidade do inferno. Não sejamos nunca enganados por aqueles que falam docemente sobre isso. Lembremos das palavras de nosso Senhor Jesus Cristo: “Não cuideis que vim trazer a paz à terra, não vim trazer paz, mas espada” (Mt 10:34). Lembremos o louvor que Ele entoa a uma das igrejas do Apocalipse: "Sei que não pode tolerar homens maus, que pôs à prova os que dizem ser apóstolos, mas não são, e descobriu que eles eram impostores” (Ap 2:2). Lembremos também da culpa que Ele põe em outra, “você tolera Jezebel, aquela mulher que se diz profetisa" (Ap 2:20). Nunca deixe que sejamos culpados por sacrificar qualquer porção da verdade em detrimento da paz. Sejamos então como os judeus, que queimavam um manuscrito inteiro do Velho Testamente, caso encontrassem uma única letra incorreta, melhor que correr o risco de perder um til ou um ponto da Palavra de Deus. Não nos contentemos com apenas uma parte de toda o Evangelho de Cristo.
De que forma podemos aplicar um uso prático de todos os princípios gerais que acabei de falar? Darei aos meus leitores um único e pequeno conselho, que merece sua total atenção.
Previno a todos aqueles que amam sua alma, a serem muito seletivos quanto à pregação que escutam regularmente e o lugar de adoração que geralmente frequentam. Aquele que se finca deliberadamente em qualquer ministério insalubre, não é um homem sábio. Nunca hesitarei em dar minha opinião quanto a isso. Sei bem que muitos acreditam ser chocante um homem renunciar sua igreja local. Não posso olhar com esses mesmos olhos. Vejo uma grande diferença entre um ensino imperfeito e um ensino falso; um ensino que erra em um lado secundário e um ensinamento que está em desacordo com a Escritura. Acredito que se uma falsa doutrina é pregada inequivocamente na igreja local, o cristão que ama sua alma está certo em não mais frequentar essa igreja. Escutar ensinos não bíblicos cinquenta e dois domingos por ano é muito grave, é um derramamento contínuo de veneno em nossa mente. Acredito ser praticamente impossível um homem teimosamente se submeter a isso e, ainda assim, não sofrer sequelas.
Vejo no Novo Testamento que somos chamados a por à prova todas as coisas e retermos o que é bom (I Ts 5:21). Vejo no livro de Provérbios o seguinte aviso: "se você parar de ouvir a instrução, meu filho, irá afastar-se das palavras que dão conhecimento" (Pv 19:27). Se essas palavras não justificam o abandono do homem a uma igreja que prega falsas doutrinas, então não sei que palavras justificam.
--Alguém acredita que frequentar sua igreja local é absolutamente necessário para a salvação? Se há alguém assim, que se manifeste e dê seu nome.
--Alguém acredita que ir à igreja salvará a alma do homem, mesmo ele sendo descrente e não conhecendo nada sobre Cristo? Se há alguém assim, que se manifeste e dê seu nome.
--Alguém acredita que ir à igreja ensinará o homem sobre Cristo, conversão, fé ou arrependimento, se esses nomes, além de serem raramente proferidos na igreja, são pessimamente explicados? Se há alguém assim, que se manifeste e dê seu nome.
--Alguém acredita que um homem arrependido, que acredita em Deus e é convertido e santificado, perderá sua alma simplesmente porque abandonou sua denominação e aprendeu sua religião em outro lugar? Se há alguém assim, que se manifeste e dê seu nome.
De minha parte, abomino ideias tão monstruosas e excessivas. Não vejo sequer um apoio a elas na Palavra de Deus. Acredito que o número de pessoas que as apoiam é mínimo.
Há muitas igrejas em que o ensino religioso é apenas um pouco melhor do que o da Católica Romana. Será que a congregação dessas igrejas deveria permanecer imóvel, contente e silenciosa? Claro que não. E por que? Porque, como Paulo, ela deve escolher a verdade em detrimento da paz.
Há muitas igrejas em que o ensino religioso é apenas um pouco melhor do que a moralidade. As doutrinas particulares do cristianismo nunca são claramente proclamadas. Platão, Sêneca ou Confúcio poderiam ter ensinado quase tanto quanto. Será que a congregação dessas igrejas deveria permanecer imóvel, contente e silenciosa? Claro que não. E por que? Porque, como Paulo, ela deve escolher a verdade em detrimento da paz.
--Estou usando uma linguagem forte para lidar com essa parte do assunto, sei disso.
--Estou escavando num solo delicado, sei disso.
--Toco em assuntos geralmente ignorados e silenciados, sei disso.
Digo o que digo pelo dever que tenho para com a igreja em que sou ministro. Acredito que o tempo em que vivemos e a posição da congregação exigem um sermão franco. Almas estão perecendo, em várias igrejas, em ignorância. Membros honestos da igreja estão desgostosos e perplexos. Não temos tempo para palavras mansas. Não sou desconhecedor dessas expressões mágicas, "ordem, divisão, separação, unidade, controvérsia", e assim por diante. Sei a paralisia e a influência silenciosa exercida por elas em nossas mentes. Também as ponderei calma e deliberadamente e, em casa uma delas, estou preparado para dar minha opinião.
(a) A igreja denominacional, em teoria, é admirável. Ela poderá trazer muitas bênçãos à nação, caso seja bem administrada e cuidada por ministros realmente espirituais, mas é inútil querer se apegar à denominação, quando o ministro dessa igreja denominacional é um desconhecedor do evangelho e ama o mundo. Em casos como esse, não devemos nos surpreender se um homem abdicar de sua denominação e buscar a verdade onde ela deve ser encontrada. Se o ministro não prega - tampouco vive – o evangelho, então a condição com a qual ele reivindica a atenção dos membros é violada e perde o direito a ser ouvido. É absurdo aceitar que o cabeça da família ponha em risco as almas de seus filhos, assim como a sua, pelo amor à “denominação”. Na Bíblia não há menção alguma sobre denominações e não temos o direito de exigir que os homens vivam e morram na ignorância, para que possam dizer no final: "Sempre frequentei minha igreja denominacional".
(b) Divisões e separações são mais repreensíveis na religião. Elas enfraquecem a causa do verdadeiro cristianismo e dão ocasião aos inimigos do cristianismo para blasfemar, mas antes que culpemos alguém por isso, devemos tomar cuidado para colocarmos a culpa onde realmente merece ser posta. Falsas doutrinas e heresias são ainda piores que divisão. Se as pessoas se separam do ensinamento que é falso e que não está contido nas escrituras, então devem ser aplaudidas, não reprovadas. Em casos assim, a separação é uma virtude, não um pecado. É fácil fazer comentários sarcásticos sobre “comichão nos ouvidos” e “amor entusiasmástico”; mas não é tão fácil convencer um leitor assíduo da Bíblia que é dever dele escutar falsas doutrinas todo domingo, quando, com um pouco de esforço, ele pode escutar a verdade.
(c) Unidade, sossego e ordem no meio dos cristãos professos são bênçãos maravilhosas. Elas dão força, beleza e eficiência à causa de Cristo, mas até o ouro pode ser comprado a um preço muito elevado. A unidade que é obtida sacrificando a verdade, não vale nada, não é essa a unidade que agrada a Deus. A Igreja de Roma vangloria-se de uma unidade que não merece esse nome, porque foi obtida por meio da eliminação da Bíblia das mãos do povo, amordaçando o julgamento particular, encorajando a ignorância e proibindo os homens de pensarem por si próprios. Como os antigos guerreiros exterminadores, a Igreja Católica Romana cria a solidão e chama-a de paz. Há sossego e tranquilidade demais na cova, porém não é o sossego da vida, mas da morte. Foram os falsos profetas que gritaram “paz”, quando não havia paz alguma.
(d) Controvérsia na religião é algo detestável. Já é difícil o suficiente lutar contra o diabo, o mundo e a carne, sem diferenças no nosso meio, mas há uma coisa que é ainda pior do que a controvérsias: a falsa doutrina sendo tolerada, permitida e aceita sem qualquer protesto ou incômodo. Foi a controvérsia que ganhou a batalha na Reforma Protestante. Se as posições dos homens estivessem corretas, é óbvio que não teria nem mesmo tido a reforma! Por preferir a paz, adoramos a Virgem e nos ajoelhamos às imagens e relíquias até os dias de hoje! Que vá embora toda essa ninharia! Há momentos em que a controvérsia não é apenas um dever, mas benefício. Antes, dê-me a forte tempestade, mas não a mortal malária. Esta caminha na escuridão, nos envenena no silêncio e não estamos nunca seguros; já esse amedronta e nos alarma por um curto período, mas acaba rápido e limpa o tempo. É um dever claro e bíblico batalharmos “pela fé uma vez por todas confiada aos santos” (Jd 1:3).
Sei que o que tenho dito aqui é bem desagradável a muitas mentes. Acredito que muitos estão satisfeitos com ensinamentos que não são totalmente verdadeiros e fantasiam que, no final, será tudo a mesma coisa. Sinto muito por esses. Estou convencido de que nada menos do que a verdade por completo está apta a fazer o bem às almas. Contento-me em saber que aqueles que aceitaram viver uma verdade pífia verão, no final, que suas almas foram muito danificadas. Há três coisas com as quais o homem não deve jamais brincar: um pouco de veneno, um pouco de falta doutrina e um pouco de pecado.
Estou ciente de que quando o homem expressa opiniões como essas que acabei de apontar, existem muitos dispostos a dizer: “ele não é fiel à Igreja”. Escuto imóvel a tais acusações. O dia do julgamento mostrará os que foram verdadeiramente amigos da Igreja e os que não foram. Nos últimos trinta e dois anos aprendi que se um ministro leva uma vida tranquila, deixa de lado a parte não convertida do mundo e prega de forma tal que não ofenda a ninguém e não edifique a ninguém, ele será chamado por muitos como um “bom pastor”.
Também aprendi que se um homem estuda as escrituras, trabalha continuamente para a conversão de almas, adere intimamente aos grandes princípios da reforma, carrega consigo um testemunho fervoroso contra o catolicismo e prega sermões poderosos, provavelmente será visto como um agitador ou “perturbador de Israel”. Deixe que os homens digam o que quiserem. Eles são os verdadeiros amigos da Igreja, que trabalham pela preservação da verdade.
Passo todas essas informações a vocês e peço que prestem grande atenção nelas. Eu lhes peço que nunca esqueçam que a verdade é muito mais importante para a Igreja do que a paz. Peço que estejam prontos para carregar os princípios expostos aqui e lutar, se for preciso, pela verdade. Se fizermos isso, então aprendemos algo sobre a Antioquia.
continua...
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