O exemplo do apóstolo Pedro na Antioquia não é o único. Foi apenas um paralelo de muitos casos que encontramos escritos para nosso aprendizado nas Sagradas Escrituras. Será que nos esquecemos de Abraão, o pai da fé, seguindo os conselhos de Sara e tomando a Hagar como esposa? Será que nos esquecemos de Arão, o primeiro sumo sacerdote, escutando os filhos de Israel e erguendo um bezerro de ouro? Será que nos esquecemos de Salomão, o mais sábio dentre os homens, permitindo que suas esposas construíssem um altar para suas falsas adorações? Será que nos esquecemos de Josafá, o bom rei, deteriorando-se para ajudar o perverso Acabe? Será que nos esquecemos de Ezequias, o bom rei, recebendo os embaixadores da Babilônia? Será que nos esquecemos de Josias, o último dentre os bons reis de Judá, partindo para lutar com Faraó? Será que não nos lembramos de Tiago e João, querendo que fogo descesse dos céus? Esses relatos merecem ser relembrados. Eles não foram escritos sem motivo e clamam ardentemente, “Não há infalibilidade!". Quem não enxerga, quando a história da Igreja de Cristo é lida, repetidas provas de que o melhor dos homens pode errar? Os primeiros Pais da Igreja eram zelosos, conforme seu conhecimento, e estavam prontos para morrer por Cristo, mas muitos deles defenderam ritualismos e quase todos plantaram as sementes das supertições. Os Reformados foram instrumentos honrosos nas mãos de Deus por reavivar a verdade na terra. Ainda assim, com muita dificuldade podemos nomear algum dentre eles que não cometeu um grave erro. Martinho Lutero defendeu fortemente a doutrina da consubstanciação, acreditando que durante a comunhão, o pão e o vinho se transformavam verdadeiramente no corpo e no sangue de Cristo.
Melancthon era costumeiramente tímido e indeciso. Calvino permitiu que Serveto fosse queimado.[1] Cranmer abjurou e desviou-se por um tempo de seu primeiro amor. Jewell aprovou as doutrinas da Igreja Católica Romana por temer a morte.[2] Hooper agitou a Igreja da Inglaterra ao exigir o uso das vestimentas religiosas para ministrar.[3] Os puritanos, mais tarde, denunciaram a liberdade e autonomia cristãs como doutrinas vindas das profundezas do inferno. Wesley e Toplady, no século passado, trataram-se asperamente com linguagens vergonhosas. Irving, nos nossos dias, entregou-se à ilusão de falar em línguas[4]. Todos esses erros clamam em alto e bom som. Eles são um sinal de advertência à Igreja de Cristo. Eles dizem, “Não confiem no homem, não chamem nenhum homem de mestre, não chame nenhum homem de pai espiritual na terra, não deixe que o homem se glorie no próprio homem, mas que se glorie no Senhor”. Eles clamam ardentemente, “Não há infalibilidade!".
Todos nós precisamos dessa lição. Somos todos naturalmente inclinados a apoiar-nos no homem que podemos ver, antes que em Deus, que não vemos. Naturalmente amamos nos apoiar nos ministros da Igreja, antes que no Senhor Jesus Cristo, o grande Pastor e Sumo Sacerdote, que é invisível. Precisamos estar continuamente de guarda.
Vejo essa tendência em apoiar-se no homem em todo lugar. Não conheço nenhum ramo da Igreja Protestante que não requer que nos alarmemos nesse ponto. É uma cilada para o cristão escocês atribuir sua fé a John Knox; para os metodistas dos nossos dias, honrar a memória de John Wesley é uma armadilha. Tudo isso é embuste, e quantos já não caíram nele!
Naturalmente, todos nós amamos ter um papa à nossa maneira. Já estamos suficientemente alienados para pensar que, pelo fato de um grande ministro ou um homem erudito ter dito algo ou porque nosso próprio ministro, a quem amamos, pregou, então deve estar certo, mesmo sem examinarmos se é bíblico ou não. Muitos homens não gostam de ter que pensar por si próprios, eles gostam de seguir um líder. São como uma ovelha, quando uma vai para o morro, as demais seguem. Em Antioquia, até Barnabé se deixou levar. Podemos muito bem imaginar um homem dizendo, “Um velho apóstolo como Pedro, certamente não pode estar errado. Seguindo-o, não posso errar”.
Agora vejamos quais lições práticas podemos aprender dessa parte de nosso sermão.
(a) Primeira lição, aprendamos a não colocar confiança em opiniões humanas, simplesmente porque esses viveram há muitos anos.
Pedro foi um homem que viveu nos tempos de Cristo e, mesmo assim, cometeu erros. Há muitos que falam demais nos dias presentes sobre a voz da Igreja primitiva. Eles querem que acreditemos que aqueles que viveram mais próximos dos tempos dos apóstolos, conheceram mais sobre a verdade do que nós. Não há fundamentação para uma opinião dessas. A maioria dos escritores antigos da verdadeira Igreja de Cristo está frequentemente em desacordo um com o outro, eles constantemente mudavam de ideia e retratavam suas opiniões antigas e muitas vezes escreveram sobre assuntos bobos e fracos, mostrando enorme ignorância em suas explicações sobre as Escrituras. É vão esperar encontrá-los sem pecado algum. Infalibilidade não será encontrada nos primeiros sacerdotes, mas na Bíblia.
(b) Segunda, aprendamos a não por confiança implícita na opinião de um homem, simplesmente porque ele é um ministro. Pedro era um dos cabeças dos Apóstolos e, ainda assim, cometeu erros.
Esse é um ponto no qual homens tem continuamente se perdido. É a pedra na qual a Igreja primitiva se chocou. Os homens logo começaram a seguir os dizeres: "Não faça nada contrário à mente do ministro". Entretanto, o que são ministros, pregadores e diáconos? O que são grandes ministros, senão homens – pó, cinza e barro - homens de paixões, como nós; homens à mercê de tentações e homens sujeitos a fraquezas e enfermidades? O que as Escrituras pregam? “Afinal de contas, quem é Apolo? Quem é Paulo? Apenas servos por meio dos quais vocês vieram a crer, conforme o ministério que o Senhor atribuiu a cada um” (I Co 3:5).
Ministros constantemente conduziram a virtude a ermo e decretaram ser verdade aquilo que era falso. Os maiores erros começaram por meio de ministros. Hofni e Finéias, os filhos do sumo sacerdote Eli, fizeram com que a religião fosse abominada pelos filhos de Israel. Anás e Caifás, apesar de estarem na linha direta de descendentes de Arão, crucificaram o Senhor. É absurdo supor que homens ordenados não podem cometer erros. Devemos segui-los enquanto estiverem de acordo com a Bíblia, mas não além disso. Devemos acreditar neles até quando puderem dizer: “Deste modo está escrito, deste modo diz o Senhor”, mas, além disso, não devemos prosseguir. Infalibilidade não será encontrada nos primeiros sacerdotes, mas na Bíblia.
(c) Terceiro, aprendamos a não por confiança implícita na opinião do homem, simplesmente por ele ser instruído. Pedro foi um homem com dons milagrosos e conseguia falar em (na época, válido) línguas, mas, mesmo assim, podia errar.
Esse ponto é um em que muitos se enganam. Essa foi a rocha contra a qual os homens se choraram na Idade Média. Homens olharam para Tomás de Aquino e Pedro Lombardo - e para vários outros companheiros - como seres inspiradores. Chegaram a dar cognome a eles, como sinal de admiração. Eles falavam sobre o pregador “incontestável”, o ministro “angelical”, o pastor “incomparável" e pareciam acreditar que tudo o que esses ministros falavam era verdade! Mas de que importa ser o homem mais instruído, se não tiver sido ensinado pelo Santo Espírito? O que é ser o mais douto sobre todas as divindades, senão um homem falível, um pecador, no seu melhor? Vasto conhecimento de livros e grande ignorância no tocante à verdade de Deus, podem andar lado a lado. Já fizeram isso, ainda fazem e continuarão fazendo o tempo o todo. Ouso dizer que os dois volumes de “Memórias e Sermões de Robert McCheyne” trouxeram muito mais benefício à alma humana do que qualquer livro escrito por Origenes ou Cipriano.
Não duvido que o volume de John Bunyan "O Peregrino", escrito por um homem que mal conhecia livros, a não ser sua Bíblia, e não falava grego nem latim, provará no último dia ter feito mais pelo mundo do que todos os trabalhos de um professor reunidos. Aprender é um dom que não se pode desprezar. Será um péssimo dia, quando livros não foram valorizados na igreja. Todavia, é interessante perceber quão vasta pode ser a capacidade intelectual de um homem, mas, mesmo assim, conhecer tão pouco sobre a graça de Deus. Não tenho dúvidas de que as autoridades de Oxford, no ano passado, conheciam mais hebraico, grego e latim do que Wesley ou Whitefield, entretando, sabiam muito pouco sobre o evangelho de Cristo. Infalibilidade não será encontrada nos primeiros sacerdotes, mas na Bíblia.
(d) Quarto, cuidemos para que não ponhamos uma confiança implícita nas opiniões de nosso ministro, por mais religioso que seja. Pedro era um homem de muitíssima graça, mas, ainda assim, errou.
Seu ministro pode ser um homem de Deus e digno de toda honra por suas pregações e exemplo, mas não faça dele um papa. Não coloque a palavra dele no mesmo patamar que a Palavra de Deus; não o estrague por meio de adulações; não permita que ele pense que não comete erros; e não descarregue todo o seu peso na opinião dele, ou você sentirá por si próprio que ele pode errar.
Está escrito que Joás, rei de Judá, fez “o que era reto aos olhos do Senhor, todos os dias do Sacerdote Joiada” (2 Cr 24:2). Joiada morreu, e então morreu a religião de Joás. Digo-lhe isso para que sua religião não venha a morrer juntamente com a morte de seu ministro. Ele pode mudar, assim como sua religião também. Ele pode ir embora, e sua religião também.
Por isso, não se satisfaça com uma religião construída no homem! Não se contente em dizer “Eu tenho esperança, porque meu ministro me disso assim e assim". Busque estar apto para dizer “Eu tenho esperança, porque vejo isso e isso escrito na Palavra de Deus". Se você quer uma paz sólida, então precisa ir por conta própria à fonte da verdade. Se você quer um conforto permanente, então precisa visitar a fonte da vida por conta própria e beber da água fresca para refrigerar sua alma. Ministros podem deixar a fé, a igreja pode se dividir, mas aquele que tem a Palavra de Deus no seu coração, tem um alicerce sob seus pés que jamais falhará. Honre seu ministro como embaixador fiel de Cristo, estime-o com amor pelas suas obras, mas nunca esqueça que infalibilidade não é encontrada nele, mas na Bíblia.
Tudo o que foi falado aqui, merece ser lembrado. Gravemos esses pontos em nossas mentes, e assim teremos aprendido uma lição com a Antioquia.
continua...
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