Uma análise acerca de alguns dos principais equívocos dos teólogos do chamado movimento de batalha espiritual à luz do livro de Jó.
O movimento recente de Batalha Espiritual tem conceitos controvertidos e aqui analisaremos alguns deles a partir das escrituras, especialmente no Livro de Jó, buscando responder, ainda que de forma sucinta, questões inquietantes da alma humana, tais como: Por que o justo sofre? Por que Deus permite tal sofrimento? E por que devemos crer em Deus mesmo sem haver qualquer benefício visível?
Augustus Nicodemus Lopes define o arcabouço teológico dos praticantes de Batalha Espiritual como ekbalístico, termo derivado do verbo grego que significa expulsar, atacar, expelir.
Aqueles que se identificam com esse movimento, tais como Peter Wagner, Neuza Itioka, Valnice Milhomens, dentre outros, eles não se definem desta maneira, mas pode-se notar que partem da premissa de que o mal e a adversidade têm origem no diabo, o qual encontra “brechas” na vida do ser humano abertas pelo pecado.
Neste meio entende-se pecado como toda ação ou omissão contrária a Palavra de Deus, mas não é levado em consideração a pluralidade hermenêutica dos textos bíblicos, portanto na prática, “pecado” passa ser tudo aquilo que o líder, geralmente alguém denominado ‘Apóstolo’, considera, entende e interpreta como sendo contrário a Palavra de Deus, sendo então essa ação ou omissão a responsável pela “brecha” aberta para atuação demoníaca e o conseqüente sofrimento humano.
Naturalmente, tal movimento tem aqui um sério problema doutrinário-conceitual, pois é fácil demonstrar pelas escrituras que em última instância Deus é o responsável pelo sofrimento humano.
Porém, antes que alguns leitores queiram me atirar pedras por tal “blasfêmia”, quero convidá-los a um breve estudo do livro de Jó.
À primeira vista, o Livro de Jó parece apenas relatar a história de um homem reto que suporta sofrimento intenso. Mas, na verdade o ponto central é a sabedoria e soberania de Deus.
Jó identificou Deus como Aquele responsável por todo o seu sofrimento. Em momento algum Jó culpa Satanás, nem sequer tenta expulsar, atacar ou expelir aquele que havia lhe desferido duros golpes (Jó 2:10).
O Livro de Jó responde a uma questão inquietante quando apresenta a realidade de que os justos e íntegros também sofrem, sendo que a Soberania de Deus contrasta com as respostas fáceis, superficiais e nada consoladoras dos amigos de Jó (Jó 42:7-8).
A teologia do recente movimento de Batalha Espiritual (especialmente no Brasil) é a teologia dos amigos de Jó, posto que se baseiam na lógica de causa-efeito e entendem que o sofrimento humano é sempre produto do pecado. E este ganha espaço no vida do crente pela ação de demônios, que se não podem possuir o crente, podem demonizá-lo ou oprimi-lo para que se mantenha em pecado; E foi partindo dessa premissa que tais ministérios de libertação desenvolveram “técnicas de libertação” fundamentadas num legalismo cheio de regrinhas de conduta pseudo-santificadoras do tipo “não toque”, “não veja”, “não faça” “não coma” etc...
Sem dúvida, a santidade é um tema importante para a fé cristã e que não deve ser negligenciado pelo Cristão, posto que sem ela ninguém verá a Deus (Hb. 12:14). Contudo, a santidade não pode ser tratada sob o ponto de vista utilitarista, tal como se santidade fosse um mecanismo para evitar o sofrimento mantendo satanás afastado de nossas vidas.
É claro que devemos ser santos, porque Ele é Santo! Mas devemos ser santos tão somente em sinal de gratidão Àquele que pela Graça e sem nenhum motivo nos redimiu, anulando a sentença condenatória que já estava transitada em julgado contra nós.
É por essa razão também que devemos crer Nele, mesmo que não haja nenhum motivo visível, uma vez que de Deus somos filhos e não cães amestrados, os quais somente obedecem ao dono mediante paga ou promessa de recompensa.
Santidade tem que ser vivida com o propósito de adorar a Deus, não para manter satanás afastado, evitando assim sofrimentos.
Aquele que vive a santidade com propósito de adorar a Deus está colocando seus olhos em Deus e sua motivação está tão somente no Senhor, ao contrário daquele que se santifica por causa do diabo, buscando se “santificar” para ficar cada vez mais “poderoso” espiritualmente para derrotar o diabo em batalhas e escaramuças.
Outro conceito controvertido do recente movimento de Batalha Espiritual é sua cosmovisão dualista/maniqueísta.
Segundo Neuza Itioka e também nos livros de Rebecca Brown e Eduardo Mastral, a presença e força do diabo no mundo é retratada de tal modo que os cristãos se tornam psicologicamente reféns das forças diabólicas, vendo-se compelidos a praticarem rituais diários, tal como “se revestir da armadura de Deus”, a fim de se proteger dos “ataques espirituais”; Nota-se que tal prática não é muito diferente dos pagãos esotéricos que penduram no pescoço pedras energizadas, tomam banho de ervas e/ou confeccionam patuás para se protegerem do mal.
A armadura descrita por Paulo em Efésios não é uma vestimenta-mística-espiritual, mas sim uma série de valores que o Cristão deve internalizar moldando seu caráter. Verdade, justiça, fé, dentre outros valores foram usados por Paulo alegoricamente a uma armadura romana, a fim de transmitir a mensagem de que o cristão deve viver por estes valores e que são eles que preservam o cristão no dia mau.
Além disso, Deus e o diabo não estão em guerra, posto que Jesus já despojou todos os principados e potestades e com Ele triunfamos na cruz (Cl 2:14,15). O diabo está subordinado a Deus e sua atuação está limitada pela vontade soberana de Deus, como em Jó cap. 1. Portanto, em última instância, Deus é o responsável pelo sofrimento, sendo o diabo mero executor da vontade de Deus. Em Isaías 45:7, Deus diz: "Eu formo a luz e crio as trevas; faço a paz e crio o mal; eu, o Senhor, faço todas estas coisas."
Mas antes que agora tentem colocar Deus no banco dos réus, primeiro respondam as questões que Ele mesmo propôs para Jó (Jó 38:1 - 40:2; Jó 40:6 – 41:34). Assim perceberão que a sabedoria e soberania do Senhor, ainda que nos sobrevenham tempos difíceis e dias maus, ela silencia o homem e faz que ele coloque a mão na boca (Jó 40:4).
Não negamos a atuação de satanás, mas Jó discerniu a verdadeira causa de seu sofrimento e não perdeu tempo buscando identificar o pecado que abriu a “brecha” em sua vida para satanás, tal como seus amigos persistentemente propunham. No livro de Jó há sabedoria e soberania absolutas de Deus, inclusive diante do sofrimento humano causado por Ele, elas desconstruíram completamente os discursos pseudo-espirituais de Elifaz, Bildade e Zofar (Jó 42:7-8), os quais infelizmente ainda hoje são reproduzidos sob pretexto de revelação e libertação espiritual.
Mariel M. Marra é teólogo, membro da Igreja Presbiteriana do Brasil no bairro Belvedere em Belo Horizonte.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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____. Endemonhiamento. Apostila. São Paulo: Ágape-Reconciliação, 1995.
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LOPES, Augustus Nicodemus. O que você precisa saber sobre Batalha Espiritual. São Paulo: Cultura Cristã, [199-].
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MASTRAL, Eduardo Daniel e MASTRAL, Isabela. Filho do Fogo. Vol 1 e 2. 7ª ed. São Paulo: Naós, 2002.
____. Guerreiros da Luz. Vol. 1 e 2. 5ª ed. São Paulo: Naós, 2004.
WAGNER, C. Peter. Por que crescem os pentecostais? – Uma análise do espantoso avanço pentecostal na América Latina. São Paulo: Vida, 1994.
´´tomado`` lá do Genizah
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